1.  Crônica- Tempestades em família

 

 

                                            TEMPESTADE EM FAMÍLIA

           O primeiro dia do mês de abril começou com dias nublados e chuvosos, e algo dizia que seria um outono frio, mas naquela manhã de domingo todos tinham que levantar cedo, um tumulto naquela casa logo cedo era muito comum, Domingos era um homem barulhento por natureza e tinha o hábito de derrubar panelas e tampas no chão, o que irritava demais sua esposa que estava aturdida arrumando as crianças para a missa quando também seria batizada sua filha caçula. A menina era muito bonita, tinha olhos verdes, pele morena, e comovida Jerusa colocava as roupas feitas de tecido de algodão que ela própria havia feito, a manta do batizado tinha rendas brancas o que destacava mais a beleza do bebê.

           Tinha que se apressar, pois a missa começava às oito horas em ponto, e padre não tinha paciência e ai daquele que se atrevesse a entrar na igreja depois do canto inicial, na homilia ele destilava todo o seu veneno. Mas Domingos era muito espirituoso e quando estava de bom humor como naquela manhã com vontade de desafiar o padre por mais que a esposa falasse que iam se atrasar mais ele encontrava algo para fazer. Com um alivio no coração sentaram-se na charrete e depois de ajeitar as crianças entre pai e mãe seguiu para o povoado de Platina. A estrada havia sido feita recentemente e estava bem esburacada.  Jerusa ainda de resguardo do parto achou que não suportaria tantos trancos ate a igreja, porem era uma mulher de fibra e a passos lentos o animal percorria a ultima trilha e como sempre faziam a primeira vista era o cemitério, Jerusa olhou atentamente tentando visualizar onde estariam enterrados sua família e com pensamentos longicuos só percebeu que já estavam quase na curva da estrada principal . Ajeitou com grossos modos os cabelos das crianças quando avistaram muitos cavaleiros que iam até ao vilarejo fazer compras semanais, atravessaram a pequena ponte de madeira que separava  o povoado da zona rural e aquela estreita rua de terra lembrou-se claramente do dia do seu casamento com Domingos.

            Domingos parou no vendeiro para deixar as armas que trazia cintura, uma faca e um revolver com cabo de madreperola que havia comprado no povoado de Marilia quando lá trabalhou nos anos 20, Jerusa foi ficando nervosa, pois Domingos começou uma boa prosa com o vendeiro o alertou que a missa já havia começado e Domingos com um sorriso maroto subiu na charrete e tocou para a igreja. Jerusa ficou assustada, a missa já havia começado mesmo e sabia que Domingos havia feito de proposito, conhecia bem o marido!

          Deixou a charrete na casa do Sr Messias e com toda a família entrou na igreja. Todos olharam para trás para ver que estava atrasado. O batizado prometia e ninguém arredaria os pés dali até terminar.  O padre olhou para o casal com olhos fuzilantes, mas continuou a missa no seu latim fluente e se ele praguejou ninguém soube, aquela língua era desconhecida por todos e assim a missa foi adiante e na hora da homília o padre descarregou sua ira sobre Domingos e sua esposa, porém disse que desta vez estava perdoado por conta do batizado da menina e com um sorriso cortês Domingos acenou com a cabeça para o padre e assim a missa transcorreu de forma agradável.  A pia batismal estava pronta e todos se agruparam ao lado do padre para o batizado da pequena Helena que aos berros naquela manhã de domingo sentiu a agua gelada ser despejada sobre sua cabeça e Jerusa achou que a pequena criança não ia sobreviver ao ser molhada daquele jeito. Pensou com seus botões que talvez o padre havia feito de proposito O padre estava de mau humor e melhor coisa a ser feito era ir embora logo e depois dos cumprimentos todos saíram com o dever cumprido. Só a pequena Helena chorava sem parar, Jerusa cobriu o rosto da menina para não sentir o vento frio. Assim partiram para sitio dos compadres para almoço do batizado. Mas havia algo que Domingos havia perdido por conta da traquinagem de chegar atrasado ao batizado de sua filha, ocorreu um momento imperdivél antes da missa e  durante o almoço que a comadre havia feito com todo o capricho. no terreiro de café os homens da família conversavam e comentaram sobre uma parteira da cidade que levou os dois meninos na missa e contaram que aquelas crianças haviam sido abandonadas na cruz do Sanches ainda com o umbigo a ser cortado, os dois meninos eram gêmeos e um carroceiro passando pelo local ouviu um miado e achou que era um saco com gatinhos novos e resolveu dar uma boa espiada, quando abriu o saco levou um susto eram dois meninos recém nascidos  cheio de formigas. Pegou o saco cuidadosamente e com muito cuidado com a carroça pois a mesma eram de rodas de ferro e os trancos eram inevitáveis. Durante o trajeto rezava para que Deus mantivesse vivos aqueles bebês até a casa da parteira. E continuou a falar que  na entrada da cidade morava uma parteira que não tinha filhos e mais que depressa escutou a historio do homem e pegou aquele saco e depois de cortar o umbigo, lavou as crianças que estavam bem sujas após o nascimento e os criou com se fosse seus filhos. Domingos perdeu isso e pensou foi castigo de Deus para mim. Quis ser engraçadinho com o padre e perdi o melhor da festa. O compadre ainda disse mais que os meninos estavam lindos e ninguém sabe de quem era e agora já com quatro anos era o mimo daquele casal, e acrescentou como as crianças estavam vestidas, pareciam filhos de gente rica.

E a prosa teria continuado senão fosse o grito da comadre chamando para o almoço, todos estavam com muita fome e na mesa tinha um grande caldeirão de feijão com torresmo, arroz branco, dois frangos caipira temperado com coloral até ficar bem corada pela gordura de porco, uma macarronada caprichada com molho de frango com massa de tomate e um quarto e leitoa assada pururuca. Domingos foi o primeiro a sentar se a mesa. Lá havia tudo o que gostava e mal esperou todos se sentarem e começou a se servir. E a prosa continuou na mesa entre uma colherada e outra, não havia garfos naqueles tempos e todos usavam colher e Jerusa alimentava seus meninos do seu próprio prato. Enquanto isso Helena dormia no quarto da madrinha com seu primeiro resfriado de sua vida. Tudo por conta do seu batizado. Depois do almoço a comadre colocou sobre a mesa as sobremesas, pudim de laranja, doces de cidra, doce mamão verde, abobora com coco e para finalizar um café feito na hora servido em uma xicara de ágata ligeiramente descascada nas bordas por conta de cair sempre no chão e Domingos até pensou com seus pensamentos ocultos que quando fosse a Marilia traria para a comadre, umas canecas de ágatas novinhas em folha.

          O dia passou depressa e Domingos ainda tinha que tratar dos porcos e galinhas antes do anoitecer e como era de costume foi dizendo tudo que tinha ainda por fazer na sua propriedade e despedindo-se rapidamente instalou a família na charrete e foram-se de volta para casa ansioso para contar para Jerusa o que havia acontecido na igreja antes de chegarem para o batizado. Jerusa pensou que foi muito bem feito para marido e assim ele acabava com estas graças. Pensou! Jamais seria capaz de enfrentar o marido com criticas sobre seu comportamento. Afinal ele era um homem formidavél !